segunda-feira, 2 de abril de 2012

Do tempo e outras lombras

O velho sentado no banco do asilo. Já iam pra mais de dez da noite. Sozinho, sentado, calado, quieto. Como quem espera, pacientemente por alguma coisa. Alguma coisa que não vem nunca. Alguma coisa que parece se alimentar dessa espera, dessa agonia, dessa solidão dura. Dessa noite fria, que condena o velho as suas memórias. Se é que ainda há memórias. Se é que o cansaço já não lhe comeu as cognições. Sentado, longe, quieto, calado. Sozinho. Já vão mais de minutos, já vão mais de dias. Já se passaram meses, e a espera parece ter um tempo elástico, a agonia parece elástica. Elásticos são os lamentos, os dias, a vontade de mijar. Elástica é a vida, exatamente como ela está. Se o velho soubesse do tempo. E do seu fim. E que a vida é única e exclusiva, e que apenas nesse estado, de corpo, lhe são possíveis tantas oportunidades. Se soubesse que tempo é o que sobra depois do fim, se soubesse que o tempo é tanto tempo que dá tempo de enjoar do tempo...

E quiçá tenha em minhas palavras um que de inveja. Um que de lascinante inveja, de saber que não é meu aquele tempo. Ou aquela vida. Aquela oportunidade. De saber que com o tão pouco que resta, seria mais plausível levantar daquele banco, e correr, e gritar, e fazer tudo ao mesmo tempo, deixar coisas pela metade, molhar o pé no mar, jogar bola com os amigos. Mas o plausível não plause aquele corpo. Não plause, ao velho, nada disso. Plause apenas que fique sentado, quieto, esperando o esperável. Se eu pudesse ir até lá, e lhe dizer essas palavras. Quiçá pudesse impor a sua existência essas verdades absurdas.

Mas que direito tenho eu, de invadir terceiras existências? Que direito eu tenho de vir aqui e dizer o que eu acho sobre a vida de outrem? Até onde cabe a influencia, até onde vai a responsabilidade dos que mudam as coisas? Quem sabe tenha, o velho, uma sabedoria que não me cabe nesta caixa? Quem sabe saiba saberes que não saberia eu ser possível saber? Que azuis coisas azulam diferentes pra mim, mas azulam de outra forma para ele?

Decido que não me cabe o direito de interferir na agonia do velho, enquanto o ônibus parte. E as pessoas são normais demais, a vida é normal demais, os compromissos, as roupas idênticas, os celulares que tocam ruindades. As atenções voltadas para inutilezas, narrativas desimportantes que desimportam a importância das coisas. Das coisas que acontecem, e que são, nesse espaço do existir. Que precisam mostrar na retórica seus saberes, não nos agires. Que precisam mostrar nos espaços limítrofes das repetições, discursos terceiros, que não nasceram em suas cabeças, que não pertencem a eles. E risadas alcoolizadas demais para serem sinceras. E conversas desconexas demais para parecerem conversas. E o espaço sendo tomado pelo direito de cada um em ser cada um.

E já não sei se sou menos solitário que aquele velho, do começo.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Lei de Murphy

- Psiu... Entra em silêncio, que “a coroa” ta dormindo.

Abre a porta com o cuidado de um policial anti-explosivo que examina uma bolsa deixada na calçada. Tira os sapatos antes e se desespera ao constatar que a acompanhante adentrara o recinto de salto alto.

- Tira isso, pelo amor de Deus... – Sussurra com cara de ódio.

O salto fazia mais barulho que um rojão de doze tiros. Eles ficam um tempo parados, pra deixar que o sono tome conta da velha de novo, e começam a entrar na sala completamente escura. Não se podia acender a luz, obviamente, pra manter em sigilo o que iria acontecer ali, em breve.

- Aiiiiiii, satanás! – Canelada na mesa de centro.
- (Risos abafados).
- Fica quieta!! – Sussurra o rapaz.

Quando eles já estão quase atingindo o esperado objetivo – o quarto do rapaz -, a garota diz:

- Preciso ir ao banheiro...
- Não acredito! Por que você não disse isso antes?
- Desculpa, só deu a vontade agora e...
- Ta, ta... Vamos voltar, e você vai no banheiro dos fundos. Não faz barulho, pelo amor de Deus...

No caminho pro banheiro, mais uma canelada na mesa de centro. Ela fica uma eternidade dentro do banheiro e, depois de finalizado seu trabalho, o barulho enlouquecedor da descarga. Ele fica desesperado, corre pra fechar a porta da cozinha e se bate numa cadeira, que derruba um “secador de pratos” cheio de talheres. O tilintar dos metais no chão desesperam o rapaz que se joga no chão a fim de abafar o barulho que já tinha se calado. Ele fica uns cinco minutos deitado, com a mão na cabeça, só esperando a mãe entrar com uma FAL na mão dando tiro pra tudo que é lado.

Vão voltando na ponta dos pés em direção ao quarto. Na passagem da sala, adivinha? Mais um encontro desesperador entre a canela e a maldita mesa de centro. “Dá pra acreditar nisso?”, ele pensa revoltado, olhando pra cara da menina. Ela, mais uma vez, coloca a mão, o vestido, uma almofada - que só Deus sabe onde ela encontrou - na boca pra abafar o riso. Ele coloca o indicador na frente da boca, pra sinalizar um silêncio pra ela. Quando chegam na porta do quarto dele, que é totalmente vulnerável à visão da mãe, caso esta levante, ele fala pra ela:

- Vou abrir a porta, e você entra rápido, viu?
- Mas é melhor você abrir devagar, não lembra que sua porta ta emperrada?
- Como é que você sabe disso?
- Naquele dia que eu vim aqui você...
- Você já... Esquece, anda logo antes que minha mãe acorde.

Abre a porta e eles entram no quarto. Uma paixão em fúria toma conta dos dois que, envoltos em um beijo interminável vão tateando o caminho até a cama. Nesse meio tempo é copo quebrado, derrubam uns porta-retratos, fazem um barulho terrível.

- Psiuu... Pára, pára. Calma, a gente não pode fazer tanto barulho assim!
- Cala a boca e vem logo.

E até a cama conspira contra os dois. É um tal de “nheque, nheque”, “toc, toc” (na parede), “ai minha cabeça” (na cabeceira) até que acaba tudo bem. Agora, é a maratona de volta até a saída.

- Se eu bater a canela naquela mesa de centro de novo, eu vou jogar ela pela janela.

A menina tem que se controlar desesperadamente para não explodir em riso. Vão voltando com o mesmo cuidado da entrada. Agora mais relaxados, com a pupila adaptada ao escuro, o que ajuda na missão. Ele faz de tudo pra evitar a mesa de centro. Faz tanto que nem se liga na outra mesa, a de jantar e... Esbarra com tudo nela. Pra terminar, a porta do quarto – que ele esqueceu aberta, claro – bate com o vento.

- Quem está ai? – ouve-se do quarto da mãe.
- Sou eu – responde o rapaz empurrando a moça para a porta.
- Você esta sozinho?
- Claro. – a coloca do lado de fora, da um beijinho, e faz sinal de que “liga amanhã”. Fecha a porta.
- E que calcinha é essa aqui no corredor?

Como é que isso foi parar ai, pelo amor de Deus?
Ele finge que não ouve e vai dormir. Amanhã, de cabeça fria, ele inventa uma mentira qualquer.

Cronica de um intestino escroto

Hoje eu tive um acesso de dor-de-barriga. Desses que todos, vez ou outra, tem, nos piores lugares. Penso que nosso intestino é um grande filho da mãe, no pior sentido da expressão. Estava em casa durante toda a manhã, mas o meu intestino quis esperar até às 7:40, só pra me pregar uma peça. Cheguei a entrar e sair do banheiro umas quatro vezes. O local era o típico mictório de faculdade: extremamente entupido. Usava o subterfúgio narcisista do espelho. Fingia estar dando um jeito na barba, inventava um fio desarrumado no cabelo... A cena era hilária: um perfeito perfeccionista de sua aparência - com embrulhos audíveis na região abdominal - de camiseta, bermuda e sandálias destas de borracha.

Fiquei na escolta da porta do banheiro por quinze minutos, que demoraram duas horas para passar, aproximadamente. A essa altura, eu ja suava horrores.
Quando o ruído da minha barriga evoluíra para um barulho quase ensurdecedor, eu resolví que era a hora exata de tentar mais uma investia rumo à privada. Neste momento, a bondosa servente, mulher trabalhadora, resolve interditar o acesso ao meu desejado objetivo. "Filha da puta!!!", pensei no momento. Resultado? Tive que esperar mais uns dois dias (cinco minutos), já visivelmente desesperado e com ódio à coitada da zeladora estampado nos olhos, para poder, enfim, descarregar os resíduos mortais que me atormentavam.

Depois de uma espera petrificante, vejo que a moça sai do banheiro masculino afim de continuar seu trabalho ao lado, no feminino. Como ela fechara ambos os banheiros, afim de realizar seu trabalho, o momento me pareceu perfeito. Pobre de mim, iludido. Esqueci que a perfeição não existe.
Adentrei o ambiente vazio. "É agora!". Sem pestanejar, sentei-me no vaso, tranquilo, deixando o local completamente fétido, diga-se de passagem, o que era completamente compreensível.

Foi aí que deu-se a bagaceira: alguma turma de algum curso acabara de ser liberada. Neste exato momento, a servente, bondosa como uma santa, desobstruiu a entrada dos sanitários. Foi uma invasão desenfreada de jovens barulhentos, enlouquecidos... e eu naquele cubículo fedorento e em total estado de pânico. Minha respiração, meus batimentos cardíacos, tudo cessou por alguns minutos menos... o barulho das malditas flatulências fedidas, as quais eu não tinha a menor condição de segurar.
E um silêncio constrangedor tomou conta do recinto, seguido de perto por uma crise de riso generalizada. Por parte deles, é claro. Da minha parte, apenas berravam os flatos, seguidos de quilos (ou litros?) de merda muito malfeita, vale ressaltar. O meu alívio só veio quando o silêncio voltou a reinar no local.

Resolvi sair rápido do maldito cubículo. Pelo menos, papel-higiênico tinha. Voei para o lado de fora, aonde pude notar que outro grupo - ou seria o mesmo? - se dirigia ao meu encontro.
E novamente lá estava eu, utilizando o espelho como desculpa, fingindo olhar as falhas da minha barba. "Dei descarga? Ah, pouco importa... eu vou pro inferno, mas nao volto lá dentro.".

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

A coisa mais dificil
de se achar nesse mundo

é o silencio.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Penso em desistir de escrever.
Só eu sei o vazio que
as palavras deixam,

quando me deixam.

Só eu sei como me sinto usado.

Só eu sei como ecoam os elogios,
e as criticas.

Nao aplauda essas palavras.
Elas me roubam a liberdade.
que tipo de merda doentia

eu estou tentando plantar na sua cabeça?

Qual é o propósito escroto
que uma palavra tem

em ser exatamente essa palavra?

E não um sinônimo qualquer?
Ou um antônimo?

Por que exatamente esse significado

e esse significante?

Por que o por que,
e não o como?

Ou o nada?

Que cheiro terão, essas palavras?
que textura?


Que tipo de merda eu estou tentado dizer?

Eu fico aqui, falando sobre mim,
banhado em desinteresse...

escrevo egocentrismos
quase grisalhos.
Quase carecas.

Escrevo palavras débeis
que nascem por obrigação.
mera obrigação de alimentar meu ego de poeta.
Ego estúpido e amargurado de poeta.

Que não sou.

Penso em deixar de escrever;
e constatar que talvez a própria poesia,
as próprias palavras,
não me permitam deixar de escrever,

Me faz sentir tao marionete.


E se as palavras
não merecerem minha agonia,
e eu as esteja obrigando,

simplesmente pela minha vontade idiota de ser poeta?

Que se fodam esses existencialismos idiotas...
Que se foda essa necessidade imbecil

e os aplausos retóricos.

E toda essa adversidade
e essa pompa em achar que escrevo.

Que se foda.

Penso em deixar de escrever.
Só eu sei o vazio
que as palavras deixam

ao me deixarem.

sábado, 19 de novembro de 2011

Somos todos idiotas
e escrevemos idiotices
uns para os outros
sem escrupulos:

... Somos idiotas,
e seguimos sendo idiotas
mendingos, safados, certos,
errados, culpados, calados...

Idiotas chapados,
sentados em frente a tv.
Somos tao idiotas
sentimos, pedimos, queremos, agimos
mas nao sabemos por que.

Idiotas que aplaudem
que invadem, nao sabem,
nao querem, nao agem jamais...

Somos idiotas demais,
e o mundo errado demais,
as vezes é mundo demais
para idiotas drogados
largados, repetitivos, cuspidos

desesperados.

Somos tao idiotas...
nao vemos, mas cremos, nao lemos
nao somos. Só estamos.

Idiotas agudos, azedos, amargos,
lacrados em mundos
cada vez mais fadados

Ao tudo, ao nada
e aos nossos famigerados
e bestiais
cotidianismos.

sábado, 29 de outubro de 2011

tinta distinta

Desgasta
a tinta
que pinta
aflita

Aflita
a tinta
desgasta,
mas pinta.

Pinta,
a tinta
que aflita
desgasta

Aflita,
desgasta,
mas tinta
que pinta.